Pelo menos 281 mil crianças e adolescentes brasileiros não retornaram aos postos de saúde para tomar a segunda dose da vacina da dengue, conforme levantamento feito pelo Correio feito junto a seis entes federativos, incluindo o Distrito Federal. Esse dado é referente aos dados fornecidos pelas secretarias de Saúde sobre as pessoas que se imunizaram com a primeira dose há mais de 90 dias — intervalo necessário para completar o esquema vacinal — e não retornaram para o reforço. Esses números foram fornecidos também pelos estados: Espírito Santo, Goiás, Paraíba, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.
Entre esses estados, Goiás foi o que tem mais municípios contemplados com as vacinas — nos 246 que compõem o estado — e com maior número de faltantes da segunda dose. Desse montante, 209,6 mil pessoas de 6 a 16 anos já tomaram a primeira dose da vacina, e 43,9 mil, a segunda. Conforme os dados da secretaria de Saúde goiana, o total de crianças e jovens que completaram o tempo de espera entre uma dose e outra, de 90 dias, são mais de 122 mil goianos. A diferença no número de pessoas é referente àquelas que faltam completar o mesmo prazo.
Em segundo lugar no ranking dos faltantes da vacinação está o Distrito Federal, que tem cerca de 182 mil pessoas entre 10 e 14 anos aptas a tomar o imunizante. Menos da metade delas (63 mil) tomou a primeira dose e apenas 23,4 mil voltou para tomar a segunda dose. Com isso, de acordo com a secretaria de Saúde do DF, quase 40 mil habitantes da capital federal já completaram o período esperado de retorno e ainda não o fizeram.
Na sequência, completando o terceiro lugar do pódio, ficou o Espírito Santo, com 32 mil habitantes que não retomaram para tomar a segunda dose da Qdenga, vacina do laboratório Takeda, fornecida para o Brasil. Entre os jovens da faixa etária de 10 a 14 anos, estão mais de 174 mil pessoas no estado capixaba. E menos da metade dessa população tomou a primeira dose (72 mil) e somente 16 mil jovens estão imunizados contra a dengue.
Na Paraíba, apenas 24 municípios dos 233 do estado estão realizando a vacinação contra a dengue. Isso porque o Ministério da Saúde adotou a estratégia de iniciar a imunização nos locais que haviam tido maior concentração de casos da dengue neste ano. O Distrito Federal, por exemplo, lidera o número de incidência da doença (9.776) por 100 mil habitantes.
De acordo com os números da secretaria de Saúde paraibina, 42,5 mil pessoas tomaram a primeira dose da vacina, mas só 7,8 mil deles retornaram para a segunda etapa da imunização. Assim, segundo entidade, restam 31 mil pessoas que já poderiam tomar a dose adicional e não o fizeram.
A situação é similar no Rio Grande do Norte, onde 48 mil pessoas tomaram a primeira dose, mas 13 mil retornaram para o reforço. Cerca de 30 mil não voltaram aos postos após os 90 dias, de acordo com a secretaria do estado potiguar. Realizam a vacinação contra a dengue 34 cidades entre as 167 que pertencem ao ente federativo.
Por fim, em Santa Catarina, 64,7 mil pessoas tomaram a primeira dose e 18,6 mil retornaram para o reforço. De acordo com o levantamento da secretaria catarinense, o contingente de faltantes que já atingiram o prazo de 90 dias é de 26 mil pessoas. Dos 295 municípíos do estado sulista, a vacinação contra a dengue está sendo realizada em 76 cidades.
Representantes dos estados de Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro e Tocantins responderam à solicitação do Correio, mas não forneceram dados sobre faltantes. No entanto, é perceptível também que, nesses 10 estados, há um número muito baixo de pessoas que completaram o esquema vacinal.
O destaque para a maior diferença entre o número de aplicações entre as duas doses pertence a Minas Gerais, que vacinou 307 mil pessoas na primeira dose e somente 25,6 mil na segunda. A Secretaria de Saúde mineira ainda informou que estão “sobrando” mais de 30 mil doses da Qdenga e está fazendo campanhas de conscientização sobre a importância de completar o ciclo vacinal.
Estratégias para aumentar a cobertura
A enfermeira epidemiologista, Aline Almeida, que trabalha no Sistema Único de Saúde (SUS) há 14 anos, afirma que a baixa cobertura vacinal é uma “ocorrência multifatorial”, pois reflete o baixo nível de informação, tanto dos profissionais quanto da comunidade.
“Pode ser difícil a adesão às demais doses quando o indivíduo não é bem orientado ou, mesmo orientado, se não houver doença acometendo a comunidade, há uma falsa sensação de não haver necessidade de vacinar. É muito comum também que pequenos eventos supostamente atribuíveis à vacinação, como dor local, desencoraje os indivíduos a retornarem (para tomar a segunda dose)”, explica a também especialista em Saúde Pública.
No entanto, Almeida afirma que a situação ficou mais grave devido ao descrédito que a saúde sofreu no governo anterior. “A hesitação vacinal é um fenômeno que vem se apresentando para diferentes vacinas, e foi muito acentuada durante a pandemia, com a circulação de notícias falsas sobre a vacinação. Ademais, a vacinação do público adolescente se configura como um desafio no que pese a dificuldade de adesão à vacinação por parte deste público, o que exige a intensificação destas ações de orientação e de vacinação propriamente dita, por parte dos profissionais das unidades de Atenção Primária à Saúde”, comenta.
De acordo com a enfermeira, entre as estratégias mais efetivas está a de busca ativa nos territórios, quando os profissionais de saúde da família vão às casas de quem não tomou a vacina. Outro ponto, para o público-alvo da vacina contra a dengue, é a realização de ações nas escolas. Em abril deste ano, os ministérios da Saúde e da Educação retomaram o programa Saúde nas Escolas, que prevê, entre outras ações, a vacinação de crianças e adolescentes com a autorização dos responsáveis.
“Temos muitas doses disponíveis que não foram totalmente utilizadas”, comentou a ministra sobre a Qdenga. Ela prometeu apresentar dados sobre a situação da vacinação contra a dengue em todo Brasil ainda em setembro. Um plano de contingência da dengue também será apresentado, com ações preventivas e de controle de vetor. De acordo com a ministra, a vacinação não está entre as prioridades do plano, mas estará presente no pacote.
Fonte: Correio Braziliense