Fortalecer o sistema público de saúde é um dos grandes desafios do governo. Esta também é a missão que a secretária de Saúde, Lucilene Florêncio, assumiu quando passou a liderar a pasta, há pouco mais de quatro meses.
Há mais de 30 anos atuando como médica do Sistema Único de Saúde (SUS), ela carrega na bagagem experiência suficiente para provocar mudanças significativas na rede pública local. Tem liderado ações de reforço da cobertura vacinal contra covid-19, inclusive implementando o projeto de busca ativa. O carro da vacina foi uma ação exitosa que Lucilene coordenou inicialmente em Ceilândia, e que agora chegou a todas as sete regiões de saúde do Distrito Federal.
Em entrevista à Agência Brasília, a secretária fala sobre o cenário atual da covid-19, o mutirão de cirurgias eletivas em parceria com a rede privada e a organização dos processos com a efetivação de contratos importantes, como o de manutenção predial. Ela revela ainda os projetos para melhorar a gestão da pasta, com reflexos diretos para o cidadão. “Vamos buscar a interoperabilidade dos sistemas da Saúde para dar celeridade aos processos de trabalho e melhorar a assistência ao cidadão”, afirma. “Isso é urgente.”
Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista:
A taxa de transmissibilidade para covid vem aumentando nos últimos dias. Como a Secretaria de Saúde está se preparando para isso?
Considerando que não houve mudança no cenário epidemiológico quanto ao aumento de hospitalização ou óbito por covid-19, como até o momento não houve introdução de uma nova variante no país, o aumento do número de casos demonstra que o vírus está circulando. Por isso, a necessidade de fortalecer as estratégias de testagem dos casos suspeitos e a vacinação. Neste sentido, abrimos pontos para vacinação e testagem tanto em horário noturno quanto aos sábados. O Distrito Federal sai na frente quando faz a busca ativa com o carro da vacina. Estamos indo às localidades mais vulneráveis, fazendo inquérito vacinal, o que nos permite aumentar a cobertura vacinal da população. Com a chegada do fim de ano, festas, confraternizações, viagens, o cenário aponta ainda mais para a importância da vacinação. Estamos fazendo nossa parte como responsável sanitário e conclamamos a população a completar o calendário vacinal.
Outro desafio que se observa no fim de ano é a chegada das chuvas e a proliferação da dengue. Quais são os planos para combater os casos?
Estamos absolutamente focados nas arboviroses – não só a dengue, mas zika e chikungunya. O cuidado com a dengue não é isolado. É uma doença que perpassa várias secretarias. Precisamos primeiramente evitar e coibir os criadouros. A maior contaminação de dengue é peridomiciliar, ou seja, próximo das residências. Precisamos trabalhar a questão do descarte do lixo e de inservíveis. Nossos agentes ambientais, este ano, visitaram mais de 2,3 milhões de residências, vistoriaram, alertaram. Mas precisamos muito da colaboração da população. Estamos no nível 3 da ação. A SES adquiriu inseticidas e larvicidas, mais de 4,5 toneladas; intensificaremos os ciclos de fumacê em regiões de maior risco. O borrifamento será inicialmente feito em regiões administrativas como Sobradinho II, Vicente Pires, Estrutural e Santa Maria, locais onde identificamos um maior número de casos.
A senhora traz no currículo 30 anos de SUS e a experiência como gestora em quase todas as regiões de saúde do DF. Esse histórico a ajudou a diagnosticar os problemas da rede pública de saúde? O que precisa mudar?
A população aumentou nas últimas décadas, e parte de nossos equipamentos públicos são da década de 1980, exigindo ampliações e adequações. Mesmo em momento pandêmico, tivemos incremento na rede na atenção, com a construção de UPAs [unidades de pronto atendimento], UBSs [unidades básicas de saúde] e hospitais acoplados em Ceilândia e Samambaia, que ficaram como legado. Também ampliamos a força de trabalho com muitas contratações em diversas categorias. Mas faz-se necessária a mudança nos processos de trabalho, exercitar na sua plenitude os acordos de gestão regional e local em todas as regiões de saúde e unidades de referência distrital. Conhecemos as necessidades da população do DF, e as pactuações e metas vêm ao encontro dos maiores desafios encontrados, na melhoria da prestação dos serviços de saúde. Precisamos focar logística, abastecimento, sistemas de informação e vocacionar os hospitais para economia de escala, aumentando a produtividade – aumento da cobertura da Estratégia Saúde da Família e cobertura vacinal.
O que pode ser feito para melhorar a gestão do serviço de saúde no DF?
A motivação e valorização do servidor é, sem dúvida, pilar fundamental para melhoria da saúde no DF. Acredito que, com a melhoria dos sistemas de informação, daremos um salto do ponto de vista de gestão. Hoje, temos vários sistemas na Secretaria de Saúde. São sistemas que não se comunicam. Começamos o processo de modernização do nosso parque computacional agora, com a aquisição de 7,5 mil computadores. É um pedido do nosso governador, a interoperabilidade. Precisamos que o médico no hospital conheça todo o histórico do paciente na rede pública, toda a medicação que ele já usou, seja porque buscou nas nossas farmácias, seja como ele foi acompanhado no prontuário da UBS. Isso vai melhorar a oferta dos serviços, facilitará o trabalho do servidor. O estudo técnico preliminar já está em andamento, bem como as demais etapas exigidas pela legislação até o lançamento do edital de licitação para contratação desse sistema. Não é um plus, é uma necessidade. Quero esse edital na rua até o primeiro semestre de 2023. Estamos trabalhando diuturnamente neste projeto.
Um dos grandes gargalos são as cirurgias eletivas. Como enfrentar essa fila de pacientes sem comprometer o atendimento emergencial na porta dos hospitais?
O DF tem uma demanda reprimida de cerca de 27 mil pacientes aguardando cirurgias eletivas de todas as especialidades. Esse represamento deveu-se principalmente à pandemia. Para resolver, buscamos a complementaridade do SUS pela rede privada para quatro patologias: hérnias inguinais, hérnias umbilicais, histerectomias [retirada do útero] e vesícula. Por que essas cirurgias? Observamos que são as patologias mais comuns, que acabavam por se tornar situações levadas às emergências impactando os PSs [prontos-socorros] dos hospitais. Quando fizemos esse recorte, encontramos em torno de 3,5 mil pacientes esperando por essas quatro especialidades. No entanto, conseguimos um aporte de recurso da Secretaria de Economia para realizar 3.233 procedimentos. Então, elaboramos um edital de chamamento público, que é previsível nos normativos; e, com a aprovação do controle social e sempre acompanhados pelo Ministério Público, conseguimos contratar, por tempo determinado, sete hospitais particulares. Estamos atualizando os pré-operatórios dos doentes já cadastrados na fila do complexo regulador, respeitando o tempo de inserção e a classificação. A rede pública também não parou. Estamos reabrindo salas de cirurgias, reativando leitos, e também adquirimos mais 32 perfuradores e arcos cirúrgicos para dar mais celeridade às cirurgias ortopédicas. Hoje, estamos conseguindo realizar em torno de mil cirurgias por mês, e seguimos em busca pelo incremento desses números.
Uma grande reclamação dentro da saúde pública é burocracia. Como enfrentar isso?
O enfrentamento da burocracia é fundamental, e hoje, na gestão pública, há formas de enfrentamento, como revisão de processos de trabalho, capacitação continuada e permanente motivação e autonomia à equipe. São ações que abordamos e valorizamos em todos os momentos, com gestão participativa e focada no coletivo.
A senhora, nesses quatro mês de gestão, já consegue citar avanços?
Podemos listar vários avanços nesse curto intervalo em que estamos à frente da pasta: assinatura do contrato das cirurgias cardíacas em adultos e crianças no ICTDF [Instituto de Cardiologia e Transplantes do Distrito Federal]; celebração do contrato de complementaridade nas cirurgias eletivas com a rede privada; assinatura do contrato regular de manutenção predial nos equipamentos públicos da saúde, sendo que o último foi assinado em 2011; grupo de trabalho para dar celeridade nos processos judiciais com três procuradores dentro da SES com apoio da Procuradoria-Geral do DF e grupo de trabalho na Subsecretaria de Infraestrutura com a construção de matriz de acompanhamento em todos os processos, melhorando a infraestrutura para a assistência.
Outro tema constante na saúde do DF é o acolhimento dos pacientes do Entorno. A senhora esteve com o secretário de saúde de Goiás; qual entendimento tiveram?
Estamos em construção de um termo de cooperação. Já tivemos a primeira reunião com o secretário de Saúde de Goiás, o Ministério Público dos dois estados e a Defensoria Pública de Goiás. A gente tem consciência de que precisamos andar juntos e focados na saúde desse cidadão, que muitas vezes reside em Goiás e trabalha no Distrito Federal. São 7 milhões de pessoas [3,1 milhões no DF e 4 milhões no Entorno] que estão sob os nossos cuidados. A demanda do DF fica bastante tensionada, principalmente nas portas de emergência, no diagnóstico e nas cirurgias eletivas. O estado de Goiás reconhece isso, e por isso nós precisamos primeiramente orientar o usuário para estar na porta certa. Nosso dever de casa foi criar os grupos temáticos e iniciar o debate. Vamos ter um segundo encontro no mês de novembro. Depois, vamos para a construção do termo de cooperação, que foi uma proposição do Ministério Público do DF e que nós recebemos com muita alegria. Foi o olhar do controle externo vendo a necessidade desse alinhamento nas relações na saúde de Goiás e do DF.
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