Deitado embaixo de uma marquise, Vitor Pereira*, 30 anos, se cobre do frio. O par de tênis faz o papel de travesseiro enquanto o edredom doado é ao mesmo tempo a cama, o teto e a parede. Ele se queixa de dor de dente e de uma ferida que tem no corpo, reclamações que têm um direcionamento. Aproxima-se dele uma equipe do Consultório na Rua para verificar a situação. André é acompanhado há dois anos por um grupo multiprofissional de Taguatinga, formado por uma médica, uma enfermeira, uma psicóloga, dois técnicos de enfermagem e uma assistente social.
Os profissionais percorrem toda a região sudoeste, que abrange Águas Claras, Recanto das Emas, Samambaia, Taguatinga e Vicente Pires. O objetivo é levar saúde para as pessoas vulneráveis, que, por preconceitos e dificuldade de acesso, entre outros fatores, só contam com a assistência porque o Estado presta esse serviço.
Cinco equipes cobrem o Distrito Federal. A maioria conta com assistente social, enfermeiro, médico, psicólogo e técnicos de enfermagem
Em tratamento
“Gosto muito de ver vocês”, afirma o jovem, que está há cinco anos nas ruas. Ele é soropositivo e iniciou o tratamento pela equipe do consultório itinerante. Atualmente, o rapaz também tem vínculo com a Unidade Básica de Saúde nº 3, onde recebe tratamento. “Não tenho nem documento, mas, tendo qualquer problema sou atendido”, conta. André tem acesso a medicamentos, pomadas e orientações para a prevenção.
“Ele interrompe e volta ao tratamento”, detalha a enfermeira Lea Graziela Nunes Portela. A falta de constância é um desafio. Mas o maior, segundo a equipe, é estabelecer o vínculo com os pacientes.
“Tudo depende da história de vida do paciente, das frustrações e das relações que construiu”, explica a assistente social Ana Rosa Pessoa Peixoto, que trabalha no projeto desde o início, em 2012. “Teve um caso que a gente vinha todos os dias por dois anos e se apresentava como Saúde e ele nem nos respondia. Era um trabalho de formiguinha para conseguir acessar os pacientes”, recorda.
Do outro lado da rua, Artur Magno*, 50 anos, espera a assistência chegar. Ele está sentado em um daqueles cobertores que só se vêem na rua e que se encontra perfeitamente dobrado, como se fosse de hotel. O homem tem esquizofrenia, bipolaridade e usa álcool e outras drogas. A pessoa em situação de rua conta às profissionais sobre as 16 fazendas que diz ter, que é doutor e que morava em uma mansão. Também reclama de uma coceira, de manchas pelo corpo e pede para fazer exames.
Cobertura do atendimento
Começa a chover, e a equipe continua na rua. “Quando prometemos levar um medicamento no dia, nós temos que atender, porque isso impacta a confiança que eles têm na gente”, justifica a enfermeira Lea Graziela.
A equipe da região sudoeste é uma das cinco que cobrem o Distrito Federal. A maioria conta com a composição mínima de assistente social, enfermeiro, médico, psicólogo e técnicos de enfermagem. A gerente de Atenção à Saúde às Populações em Situação Vulnerável e Programas Especiais, Juliana Oliveira Soares, informa que também há duas outras equipes em processo de cadastramento pelo Ministério da Saúde.
De acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (Iped) publicada em 2022, a estimativa é de 2.938 pessoas em situação de rua. No mesmo ano, as cinco equipes do consultório itinerante ofertaram 14.325 atendimentos individuais e 20.723 procedimentos, o que inclui aplicação de vacina, insulina, entrega de medicamentos, testes rápidos, entre outros. No ano passado, também foram registrados 1.043 atendimentos odontológicos.
Invasões
As equipes do consultório na rua também são fundamentais para as populações em invasões. Atrás de dois tapumes em Taguatinga, esconde-se uma família de 14 pessoas, que preferiram não se identificar. A água esverdeada deixa clara a insalubridade do espaço. Em um dos paletes que a família usa como ponte, o patriarca da família, 57 anos, escorregou, machucando a perna e as costelas. “Sinto dor para respirar”, contou.
A equipe aplicou analgésico, receitou medicamentos e o encaminhou para que fizesse a radiografia das regiões machucadas. “Pode ter trincado alguma coisa, e é importante checar”, afirma a técnica em enfermagem Eldivone Sousa. Todos receberam um kit de higiene bucal. Os moradores também ganharam uma cesta básica que foi doada pela comunidade à Unidade Básica de Saúde nº 5, de Taguatinga, que é responsável pelo consultório na rua.
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