Por Francisco Espínola
Audiência pública realizada pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) nesta quinta (8) debateu a prevenção e o tratamento ao HIV/Aids no DF. O principal pedido foi o não fechamento do Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) da rodoviária. Responsável por presidir o encontro, o deputado Fábio Felix (Psol) defendeu a continuidade em local adequado na região central de Brasília.
“Há uma preocupação legítima do movimento que fechar o CTA significa encerrar o serviço de porta aberta para a população na área central. A possível transferência provisória do CTA para o Hospital Dia cria uma barreira, mesmo que subjetiva pelo preconceito, de acesso à testagem. Ao mesmo tempo, nas unidades básicas de saúde a porta não está efetivamente aberta porque a pessoa desiste da testagem quando procura a UBS e descobre que o teste será agendado para outro dia ela. Com isso, ocorre uma dificuldade no diagnóstico. Levar o CTA ao Hospital Dia vai impedir muita gente que tem preconceito de chegar ao novo local, pois não terá coragem de ir lá fazer o teste”, afirmou o distrital.
A preocupação de que o CTA seja fechado ou alocado provisoriamente em outro local foi levantada pelo conselheiro de saúde do DF, Michel Platini, que também é presidente do Centro Brasiliense de Defesa dos Direitos Humanos e coordenador da Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Taguatinga. “O CTA da rodoviária vive a iminência de fechamento. Passam mais de 100 mil pessoas por dia na rodoviária e só a presença do CTA tem uma ação pedagógica de estimular a testagem e o diagnóstico. Por isso, fomos lá fazer um abraço simbólico, uma manifestação para dizer: o CTA não pode fechar e tampouco pode sair da rodoviária”, afirmou.
A gerente de Infecções Sexualmente Transmissíveis (Gevist) da Secretaria de Estado da Saúde (SES DF) Beatriz Maciel Luz explicou as dificuldades da questão. “O CTA é um local estratégico, mas temos barreiras complicadas. É um prédio tombado e por isso não há o que fazer em relação à reforma do espaço. O Ministério da Saúde disponibilizou um recurso para essa finalidade, mas conseguimos executar porque o prédio não pode ser reformado. Além disso, o perfil de atendimento registrado lá não é o público prioritário que gostaríamos de atingir, então, precisamos repensar as estratégias de educação e comunicação para a prevenção”, disse Beatriz.
Fábio Felix reafirmou que é preciso encontrar uma solução que mantenha o CTA na área central e que espera uma solução consensual entre todos os envolvidos. Além disso, garantiu que pode utilizar emendas parlamentares do próximo ano para revitalizar o CTA Itinerante, uma forma de levar o serviço a mais lugares.
Atendimento integral
Outras reclamações foram o atendimento. A primeira pela falta de médicos infectologistas e outras pela regulação, que dificulta o atendimento integral à saúde de quem está em tratamento com outras especialidades.
Ativista da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids (RNP+ Brasil), Wagner Rosa testemunhou as dificuldades que encontra. “Tenho 49 anos e há 20 anos faço tratamento de HIV Aids. Fazendo o tratamento, vivemos com carga viral indetectável e não ocupamos mais os leitos nos hospitais, mas a questão não acaba aí. Ao longo do tempo a gente vem adquirindo novas patologias. Faço acompanhamento na unidade de Taguatinga, onde há o atendimento por infectologista, mas não somos atendidos em outras especialidades médicas. Para isso precisamos buscar as UPAs ou outras unidades de saúde”, questionou.
“Hoje a infectologia voltada para HIV e Aids está regulada. E isso é feito com vistas a melhorar o serviço, ao contrário do que parece. Temos tentado inserir esse atendimento às pessoas vivendo com HIV na regulação justamente para ter um controle na gestão sobre o número de vagas disponibilizadas e quantas pessoas estão aguardando atendimento porque o ideal é o início imediato do tratamento em caso de diagnóstico positivo”, explicou a representante da SES DF.
O presidente do Fórum de Ongs, Redes e Movimentos de Luta contra Aids (Foa DF), Rosildo Inácio da Silva, chamou atenção para a falta de atendimento em alguns locais. Como exemplo, citou a unidade de Ceilândia que faz atendimento para pessoas soropositivas.
“Lá já são quase quatro anos sem infectologista. Sou soropositivo e sofro na pele o descaso da SES DF”, disse Rosildo que também é presidente do grupo de apoio aos soropositivos DF (GAS DF).
“Sabemos que Ceilândia está sem infectologista. Já houve o concurso, esses médicos serão chamados e provavelmente essa unidade estará entre as prioridades para lotação de servidor”, respondeu Beatriz.
Ainda sobre as dificuldades no atendimento, a gerente completou falando sobre as políticas para prevenção e tratamento. “Com relação à Profilaxia Pré-Exposição (PREP), que é indicada e utilizada antes da exposição sexual, realmente temos um gargalo. Precisamos de apoio para avançar. Temos que ampliar essa conversa porque a PREP é prevenção, por isso, precisa estar na atenção primária”, afirmou. Ela ainda informou que já está normatizado e pactuado que a partir de 2023 todas as unidades básicas de saúde precisam atender e várias delas também dispensar a Profilaxia Pós-Exposição ao vírus (PEP) no primeiro acolhimento. “Esse paciente vai continuar tendo o seguimento na atenção primária enquanto o tratamento vai seguir na atenção secundária somente para os casos que precisam mesmo do infectologista”, adiantou.
Estatísticas
Durante a audiência também foi divulgado que a Vigilância Epidemiológica publicou boletim com dados dos últimos 5 anos. Durante esse período, no somatório, foram notificados no DF 3.633 casos de infecção pelo HIV e 1.443 casos de Aids.
O boletim registrou leve um aumento de casos nos dados comparativos entre os anos. Em 2017 foram 692 casos enquanto em 2021 foram 742 casos de HIV. Por outro lado, o levantamento identifica uma redução dos novos casos de Aids. Em 2017 foram 362 e no ano passado foram 245. “Com esses dados, nossa expectativa é de que temos detectado mais pessoas de forma oportuna, tratado adequadamente e assim reduzindo o número de pessoas que vem desenvolvendo a forma avançada da doença”, afirmou Beatriz.
A gerente ainda confirmou. “Não temos o conhecimento exato de qual é a população do DF vivendo com HIV. Prevemos para o próximo ano uma pactuação de trabalho com estatísticos para fazer uma estimativa de quanto é o percentual dessa população aqui. Entretanto, 93% das pessoas que estão em tratamento, ou seja, que fazem uso da terapia antirretroviral (Tarv), estão com carga viral indetectável”, disse.
Na soma, ocorreram 505 mortes por Aids entre 2017 e 2021. No primeiro ano da série foram 108 óbitos e no ano passado houve 91 de óbitos por Aids. Em relação ao perfil epidemiológico, há uma predominância do sexo masculino. O número de casos de Aids é mais prevalente na faixa etária de 20 a 39 anos. Já em relação aos casos notificados de HIV a predominância se dá na faixa de 20 a 29 anos. A representante da SES informou ainda que o DF tem 16.327 pacientes recebendo medicamentos nas redes pública e privada.
Desigualdade
Por fim, a Assistente para Redução de Desigualdades da Unaids, Mariana Medeiros, contou que neste mês foi lançado um relatório chamado Desigualdades Perigosas. O documento mostra como a desigualdade está atrasando o fim da Aids no Brasil. “Está claro que as desigualdades criam barreiras, impedindo as pessoas em situação de vulnerabilidade de acessar os serviços. Quem mais morre no Brasil de causas relacionadas à Aids são mulheres negras. A prevalência do HIV é muito mais alta entre as mulheres trans e entre os homens que têm relação sexual com homens. Precisamos cuidar mais das pessoas em situação de rua e das pessoas privadas de liberdade. Sem combater essa desigualdade, vamos ficar parados”, afirmou.
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