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Plano de carreira no SUS: proposta inicial deve sair em 6 meses, aponta Ministério da Saúde

A dificuldade de prover profissionais de saúde em regiões distantes dos grandes centros urbanos é um dos principais desafios do Sistema Único de Saúde (SUS). A construção de um plano de carreira, uma das principais demandas de organizações que representam médicos, enfermeiros e outras classes, é vista como uma das possíveis ferramentas que podem solucionar esse problema.

O tema ganhou um novo capítulo em janeiro, com a criação da Comissão para Discussão e Elaboração de Proposta de Carreira no Âmbito do Sistema Único de Saúde (CDEPCA/SUS), ligada ao Ministério da Saúde. A ideia é fomentar a realização de debates, estudos, pesquisas e diagnósticos para o aprimoramento, com a expectativa de criar um plano de carreira.

Com representantes das secretarias, Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), além da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS, a Comissão tem o prazo de 1 ano para elaborar para elaborar propostas sobre o tema.

“A gente gostaria que muito antes disso tivéssemos a proposta. No máximo em seis meses gostaria que tivéssemos uma minuta dessa carreira para que ela passasse pela instância de discussão e a partir disso pudéssemos, nos outros seis meses, conseguir instituir essa carreira no âmbito do SUS”, afirma Bruno Guimarães de Almeida, diretor do Departamento de Gestão e Regulação do Trabalho em Saúde (DEGERTS) do Ministério da Saúde.

A Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) são a favor da criação de um plano de carreira para os profissionais e observam a iniciativa como uma possível solução para melhorar as condições de trabalho e estabelecer médicos e enfermeiros em áreas consideradas vazios assistenciais. Porém, reforçam que é necessário estar atento à remuneração, condições, educação permanente e progressão de carreira.

“O SUS não pode ficar atrelado a cada novo gestor municipal, estadual ou federal querer mudar todo o serviço porque não é o que pretende em seu plano ou o que prometeu na campanha. A gente tem que ter um plano de carreira para que o atendimento de saúde à população aconteça independente de políticas partidárias”, defende Helga Bresciani, conselheira federal do Cofen.

Perspectiva do Ministério

De acordo com o Ministério da Saúde, existem mais de 3 milhões de profissionais no SUS, com base em dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). O número é considerado subestimado, já que segundo Bruno Almeida, a variedade de formas de contratos possíveis acaba criando uma defasagem, como contratações através Organização Sociais de Saúde (OSS), parcerias público-privadas, consórcios interfederativos, instituições de ensino, dentre outras.

“A gente ampliou e muito as modalidades de gestão alternativa à gestão direta no SUS, que muitas vezes atuam em uma perspectiva de precarização, terceirização e inadequação das condições de trabalho, de relações abusivas e violentas, de promessas de trabalho fragilizados e de vínculos muito precários”, explica o diretor do DEGERTS.

Segundo ele, o objetivo da Comissão também passa por melhorar as condições de trabalho dos profissionais da saúde. No entanto, reforça que existem outras 14 categorias, como maqueiros, porteiros e recepcionistas, que são essenciais para a saúde e devem ser observadas nas discussões e propostas. A ideia é garantir também proteção social ao trabalhador.

“Quando eu penso em uma carreira, é mais fácil pensar em uma carreira que contemple os trabalhadores do quadro de saúde, não tenha dúvida disso. Mas o desafio é pensar em elementos que possam valorizar também os trabalhadores tidos como invisíveis”, afirma Bruno Almeida.

Em setembro de 2023, o Brasil realizou uma declaração conjunta com os Estados Unidos, a Parceria pelo Direito dos Trabalhadores e Trabalhadoras. O compromisso firmado visa promover o trabalho digno, e a criação da Comissão para estabelecer uma proposta para um plano de carreira vem nesse sentido.

Para a elaboração, o diretor explica que a Comissão planeja ouvir as categorias para entender as demandas e desafios. “Está assegurada a participação dos trabalhadores. Na Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS temos uma Comissão de Desprecarização onde a pauta central é a discussão de carreiras. Já fizemos um seminário por dentro da mesa para discutir carreiras e trazer elementos. É uma mesa paritária, então temos a participação dos trabalhadores representados por suas federações, gestores e diversos outros ministérios do Governo Federal”, afirma Bruno Almeida.

A Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) já manifestaram desejo de participar de tais diálogos e estão abertas às propostas que venham a ser desenvolvidas. O Ministério da Saúde também inclui a participação de pesquisadores e gestores na construção.

Dificuldades para construir um plano de carreira

Além da grande variedade de cargos e especialidades, cada uma com suas características, existem diversas dificuldades para construir uma proposta. O financiamento, seguindo as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, é uma das principais, já que requer um alinhamento para entender as fontes de recursos. Mas Bruno Almeida aponta outras:

“De que forma a gente vai fazer um equilíbrio entre a inserção do trabalhador considerando a perspectiva de carreira e o trabalhador que já está inserido no SUS, considerando os diversos modelos alternativos à gestão? A carreira não resolve os problemas relacionados ao trabalho decente, digno, seguro e humanizado, então estamos trabalhando em diferentes frentes”.

Por isso, a comissão irá trabalhar, ao longo dos primeiros 6 meses, para construir um plano inicial. Uma das propostas pode, inclusive, descentralizar o financiamento, com participação de estados e municípios. Por outro lado, uma alternativa apontada por Bruno seria a centralização no Ministério da Saúde com a distribuição de profissionais para as diferentes regiões, conforme a necessidade, seguindo moldes do programa Mais Médicos.

“Estamos abertos ao debate, mas precisamos construir um modelo que tenha remuneração adequada, estrutura adequada para o atendimento, estabilidade para quem escolher essa carreira e que o médico possa evoluir dentro dela ao longo do tempo”, afirma Carlos Henrique Mascarenhas Silva, diretor de Defesa Profissional da AMB.

Historicamente, as entidades médicas buscam a construção de um plano de carreira para a categoria, principalmente pela necessidade de fixar profissionais em áreas remotas. O sucesso do plano de carreira se dará, de acordo com a AMB, conforme haja diálogo para chegar a um modelo que contemple as necessidades da saúde pública e dos profissionais.

“Esse plano de carreira deve ter também uma avaliação de desempenho, focada no processo do desenvolvimento profissional e institucional. E também o compromisso solidário, compreendendo que o plano de carreira é um ajuste firmado entre os gestores e trabalhadores em prol da qualidade do serviço de saúde, do profissionalismo e da adequação técnica do profissional às necessidades do serviço”, argumenta Helga Bresciani, conselheira federal do Cofen.

Bruno Almeida, do Ministério da Saúde, também aponta que é preciso levar em consideração temas como a plataformização e a globalização. Com a telessaúde no foco da gestão Lula, dando sinais que deve ganhar força nos próximos anos, é preciso que os profissionais que atuarão nesse meio sejam contemplados.

Para além de uma proposta inicial e do diálogo com as categorias, o desafio da Comissão é conseguir aprovar com estados e municípios, através da Comissão Intergestora Tripartite (CIT). Entretanto, requer que a discussão vá além do modelo de financiamento ou da carreira, mas vontade política para conseguir aprovar. “Pode sofrer alterações e chegar a um modelo que talvez não seja o que tenhamos proposto, mas o possível considerando o cenário”, argumenta Bruno Almeida.

Semelhante ao Judiciário ou mais liberdade?

Pensando em sanar os vazios assistenciais, existe uma linha de pensamento que defende que o plano de carreira no SUS deve ter uma estrutura semelhante ao do Judiciário, onde os recém-aprovados ocupam as vagas remanescentes, muitas vezes em cidades do interior dos estados, para que, conforme haja uma progressão, possa mudar para capitais e grandes centros.

Apesar do tema ter força, a AMB defende que é preciso garantir uma estrutura mínima, caso o modelo venha a ser proposto. “Se não existir um fórum adequado, com uma secretaria e uma estrutura de governo em um local estabelecido, não existe comarca. Não existe juiz ou promotor público na cidade. A mesma coisa tem que ser pensada para a medicina. Tudo isso tem que ser bem pensado na construção da lei para estabelecer a carreira de Estado”, defende o diretor de Defesa Profissional da AMB, Carlos Henrique Mascarenhas Silva.

De acordo com Bruno Almeida, uma das alternativas é fatiar o plano de carreira em grandes áreas temáticas do SUS, como atenção primária, atenção hospitalar especializada, urgência e emergência, vigilância, saúde mental e áreas de apoio à gestão. Mas o Ministério não descarta a possibilidade de desenvolver uma carreira única.

Mascarenhas, da AMB, também levanta a hipótese dos trabalhadores não atuarem exclusivamente no SUS, o que poderia tornar as regras e o financiamento mais flexíveis. “Se o médico puder atuar com pacientes privados, o salário e as condições tem que ser uma. Se não puder, as condições são outras”, argumenta.

Principalmente em grandes cidades, a ideia do plano de carreira tem que ser competitiva com o setor privado, acredita Helga Bresciani, conselheira federal do Cofen, para que os profissionais não escolham atuar apenas na saúde suplementar. Para isso, ela aponta que tem que ser atrativo, trazendo além de boa remuneração e plano de progressão, educação continuada.

“É importante ter educação permanente no plano de carreira, porque muito se fala em educação permanente e pouco se faz a nível Brasil. Na área da saúde é importantíssima, para que não fique só ao encargo do trabalhador, com o gestor também possibilitando esse trabalhador, com uma necessidade de oferta contínua”, argumenta.

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